11 jul, 2022 9 min

Uma breve viagem pela história da propaganda farmacêutica

Entenda a evolução histórica da publicidade e propaganda de medicamentos.

Quando olhamos para a história da propaganda farmacêutica é interessante fazermos uma análise para entender como a cultura, política, economia e legislação influenciaram na forma como estas gigantescas empresas foram criando e adaptando sua comunicação publicitária através do tempo.

O primeiro laboratório farmacêutico tem sua origem no ano de 1668, em Darmstadt, na Alemanha. Na época ainda uma farmácia, a Merck passaria por um período de transição até se tornar o mais antigo laboratório farmacêutico do mundo. Em meados do século seguinte, em 1715, outra gigante existente até hoje também foi criada: a GlaxoSmithKline. Quase um século e meio depois, em 1859, a GSK se consolidava como a primeira fábrica exclusiva para a produção de medicamentos.

A imigração para a América, bem como o início do período das chamadas guerras modernas (Guerra Civil Americana, I e II Guerra Mundial) foram determinantes para a criação e consolidação de novas empresas farmacêuticas, bem como de medicamentos que mudaram o curso da história, alguns sendo comercializados até hoje.

É o caso da Aspirina, do laboratório alemão Bayer lançada em 1900, ou da insulina, que teve seu primeiro extrato isolado e produzido industrialmente no período entre 1918 e 1939, possibilitando o tratamento de uma doença até então fatal, como o diabetes. E até mesmo de uma das mais marcantes e importantes descobertas da medicina: a penicilina, em 1928. A descoberta deste medicamento, que inaugurou a classe dos antibióticos, é considerado um ponto de inflexão na história humana.

E quando começaram as propagandas farmacêuticas?

O primeiro relato de uma publicidade de um medicamento vem de meados de 1825. O que ele anunciava? Pois bem, através de um texto simples e direcionado às mulheres, o produto milagroso oferecia (alerta de barbaridade!) um novo hímen. Anúncios surreais como este se repetiram muitas vezes na história da propaganda farmacêutica. Ainda mais em períodos onde não havia nenhum tipo de legislação ou regulamentação.

Figura 1. Anúncio de Neurotone, 1923. O tônico combatia a gordura corporal. - Propagandas Históricas. Neurotone (Banhas Malditas) – 1923. Disponível aqui - Acessado em 29/09/2021

Figura 2. Anúncio de Treparsol, 1927. O texto prometia a cura milagrosa de doença venéreas, como sífilis infantil. - Propagandas Históricas. Remédio Treparsol - 1927. Disponível aqui - Acessado em 29/09/2021

Neste período (início do século XX), anúncios de medicamentos eram feitos em jornais e seus textos eram bem simples e com caráter meramente informativo, apresentando as principais características do produto, quase sempre com essa dose extra de charlatanismo milagroso. Alguns deles prometiam a prevenção de divórcios, suicídios e a cura de dores da alma.

O registro do primeiro anúncio de medicamento no Brasil foi em 1882, no jornal Corsário e anunciava a pomada Boro-Borácica, também considerada o primeiro produto industrializado do Brasil.

Figura 3. Anúncio de meciamento pra digestão que preveniria o divórcio. - GOMES, Mário Luiz. Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia. SCIELO, 2006. Disponível aqui - Acessado em 28/09/21

Figura 4. Anúncios da pomada Boro-Borácica, primeiro produto industrializado do Brasil. - BUENO E. Vendendo Saúde: história da propaganda de medicamentos no Brasil. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2008 Disponível aqui - Acessado em 28/09/2021

A verdadeira propaganda farmacêutica de almanaque

O início do século XX trouxe a primeira grande mudança na publicidade de medicamentos: surgiram os almanaques de farmácia. Além de trazerem os anúncios dos produtos farmacêuticos, continham (alô, produtores de conteúdo!) dicas de saúde e beleza, receitas culinárias, depoimentos de pessoas que se diziam curadas, passatempos, curiosidades, calendário com nomes de santos e conhecimentos gerais (TRIZOTTI, 2008).

Neste período, Felipe Daudt, irmão do Dr. João Daudt Filho, fundador da primeira indústria farmacêutica do Brasil (o laboratório Daudt foi fundado em 1882), trouxe ao Brasil almanaques como “A saúde da mulher”, que chegou a ter uma tiragem de 1,5 milhão de cópias (PARK, 2009).

O sucesso dos almanaques de farmácia foi tão grande que, nas décadas de 1930 a 1950, eles invadiram os consultórios médicos, sendo distribuídos e recomendados aos pacientes.

Figura 5. Capa do Almanaque A Saúde da Mulher. - BUENO E. Vendendo Saúde: história da propaganda de medicamentos no Brasil. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2008 Disponível aqui - Acessado em 28/09/2021

Figura 6. Capa do Almanaque do Biotônico Fontoura, 1941. - GOMES, Mário Luiz. Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia. SCIELO, 2006. Disponível aqui - Acessado em 28/09/21

propaganda farmacêutica na história: medicamentos, sociedade, cultura e política.

Nas primeiras décadas do século XX, com a I Guerra Mundial, a epidemia da Gripe Espanhola e as pesquisas de doenças sexualmente transmissíveis, tivemos uma difusão das propagandas de medicamentos no combate à influenza e sífilis (como no caso do Treparsol, mostrado anteriormente).

Figura 7. Aspirina Bayer. A Cigarra, São Paulo, 1921. - BUENO E. Vendendo Saúde: história da propaganda de medicamentos no Brasil. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2008 Disponível aqui - Acessado em 28/09/2021

Figura 8. Anúncio contra Influenza Espanhola - BUENO E. Vendendo Saúde: história da propaganda de medicamentos no Brasil. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2008 Disponível aqui - Acessado em 28/09/2021

As décadas de 1920 e 1930, já usando o recurso colorização em alguns anúncios e chamando a atenção do leitor através do reconhecimento de personagens da época, como o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, as propagandas promoviam até mesmo medicamentos que continham substâncias maléficas à saúde, como a cocaína, o ópio e a heroína.

Figura 9. Anúncio de medicamento para amarelão com personagem de Monteiro Lobato. - OBVIUS. PARIZOTTO, Jéssica. Jeca tatu, Biotônico Fontoura e publicidade. Disponível aqui - Acessado em 28/09/2021

Figura 10. Anúncio de balas de cocaína para dor de dente - HYPE SCIENCE. 10 inacreditáveis propagandas de cocaína e outras drogas. Disponível aqui - Acessado em 28/09/2021

Conforme a década de 30 foi avançando, e com a disseminação do rádio, a propaganda no geral sofreu uma outra grande mudança. Com o rádio, elas tornaram-se mais rápidas e objetivas. Iniciava-se o período dos jingles, spots e slogans marcantes. Aposto que você conhece o: Melhoral, é melhor e não faz mal. Ou ainda: Se é Bayer é bom.

Como a propaganda é um reflexo da história contemporânea, as décadas seguintes, no período pós-guerras, trouxeram o “universo bélico” para destacar as características e vantagens dos medicamentos, com o argumento de proteção e vitória.

Figura 11. Anúncio de Biotônico Fontoura usando exemplos de personagens conhecidos das guerras. - Fonte: DHOTTA, M. Caríssimas Catrevagens Blogspot. Disponível aqui - Acessado em 28/09/21

Mais alguns anos se passaram até que nos anos 50 ocorre mais uma grande revolução na propaganda farmacêutica (e na propaganda em geral): surge a televisão. Porém, foram algumas décadas depois, por volta de 1970 e 1980, que os laboratórios passaram a investir fortemente nesta mídia, conquistando o público com comerciais que entretinham (às vezes até demais, como no exemplo abaixo) e passavam a mensagem que o produto anunciado acabaria com aqueles problemas de saúde.

Figura 12. Imagem capturada de comercial para a TV do medicamento Anemokol (uma espécie de Viagra da época), com o cantor Waldick Soriano. - Propagandas Históricas. Anemokol (Waldick Soriano) - Anos 80. Disponível aqui - Acessado em 29/09/2021

A década de 1960 trouxe a descoberta de um grande agente transformador do mercado farmacêutico: as pílulas anticoncepcionais. Neste momento, as propagandas voltavam a se comunicar diretamente com as mulheres, trazendo a ideia da época de liberdade sobre a sua fertilidade.

Figura 13. No dia 18 de agosto de 1960, foi lançado o contraceptivo oral Enovid-10 nos Estados Unidos. A pílula significaria uma verdadeira revolução nos hábitos sexuais do mundo ocidental. - 1960: Primeira pílula anticoncepcional chega ao mercado. Disponível aqui - Acessado em 31/05/2022

A década de 1970 pode ser considerada um divisor de águas na propaganda de medicamentos no Brasil. Buscando uma maior regulamentação acerca das promoções farmacêuticas, foi criada a Lei da Vigilância Sanitária de nº 6.360 de setembro de 1976.

A partir de então, os medicamentos passaram a ter uma divisão distinta e os que só podiam ser vendidos sob prescrição não poderiam mais ser anunciados na mídia de massa. É sob este contexto que surgem os profissionais propagandistas farmacêuticos, profissão regulamentada em 1975.

propaganda farmacêutica nos dias de hoje

Nos dias atuais, apenas os medicamentos livres de prescrição, conhecidos como OTC (do inglês: Over the Counter), podem ser veiculados livremente nas mídias de massa. A propaganda de produtos sob prescrição segue restrita a profissionais médicos e dispensadores de medicamentos, cabendo aos propagandistas serem o principal ponto de contato entre estes profissionais e a indústria.

Figura 14. Anúncio de Doril, da Hypera Farma, com seu conhecido slogan e o humorista Hélio de La Peña. - Escola educação. Anúncio Publicitário. Disponível aqui - Acessado 29/09/2021

Figura 15. Anúncio impresso de Aspirina infantil da Bayer. - Propagandas Históricas. Aspirina Infantil - 1997 Disponível aquihttps://www.propagandashistoricas.com.br/2015/02/aspirina-infantil-1997.html - Acessado 29/09/2021

A ANVISA, por meio de Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC 96/2008, neste caso) regula e fiscaliza toda a propaganda, publicidade, informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos.

Por meio da RDC 96, por exemplo, ficou proibido o uso de artistas indicando os medicamentos em campanhas publicitárias. As celebridades não podem mais sugerir os benefícios pessoais do produto, nem sugerir o seu uso. A participação deles limita-se apenas a informar as indicações e características do produto comprovadas cientificamente, além das advertências previstas na RDC.

Internet e redes sociais: a mais recente onda evolutiva da propaganda farmacêutica

Assim como na medicina, a propaganda é dinâmica e vai se atualizando, se modificando e quem lida com ela precisa se adaptar e se adequar.

A última grande revolução pela qual a propaganda farmacêutica está passando é justamente o uso das redes sociais para conseguir conversar com seus públicos (médico e leigo) respeitando as diretrizes e agregando valor considerável a sua comunicação.

Figura 16 . Publicação institucional criada pela Gutta, para a BMS - Publicação da rede LinkedIn. Disponível aqui - Acessado em 31/05/2022

Figura 17. Perfil Movimento Parkinson, gerenciado pela Gutta. - Perfil na rede social Instagram. Disponível aqui - Acessado em 31/05/2022

Este mercado gigantesco está aprendendo a focar sua comunicação nessas redes dentro de uma mentalidade institucional, promovendo a credibilidade e confiança e não mais o produto apenas. Além disso, as indústrias estão voltando suas atividades na internet para a construção de um diálogo baseado na criação e produção de conteúdos que visem levar informação, conhecimento e conscientização sobre diversos assuntos que orbitem a saúde, bem-estar e qualidade de vida dos pacientes. 

Parece que já vimos algo assim lá no começo do século XX, não é? Seriam as redes sociais grandes Almanaques Digitais? Já diria o Cazuza: “Eu vejo o futuro repetir o passado.

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Fotografia de perfil da diretora do redator Guilherme Monteiro

Autor

Guilherme Monteiro

Apaixonado pelas palavras em todas as suas formas (até quando não precisam ser ditas), fã de música e boas histórias.

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